quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Família neandertal canibalizada é encontrada em caverna na Espanha

BBC
22/12/2010 09h10 - Atualizado em 22/12/2010 10h02

Família neandertal canibalizada é encontrada em caverna na Espanha

Segundo pesquisadores, ossos encontrados em caverna indicam que indivíduos foram mortos e comidos por outros neandertais.

Arqueólogos descobriram os restos de uma possível família de 12 neandertais que foram mortos há 49 mil anos numa caverna da região de Astúrias, no norte da Espanha.
Segundo os pesquisadores, marcas nos ossos mostram sinais de atividade canibal, indicando que os indivíduos encontrados foram comidos por outros neandertais.
Detalhes da descoberta foram publicados na última edição da revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences.
Apesar de os fragmentos de ossos de seis adultos e seis crianças terem sido encontrados dentro da caverna, os arqueólogos acreditam que eles viviam e foram mortos na superfície, mas que teriam sido envolvidos pela caverna após um desabamento.
Fragmentos de ossos foram encontrados em caverna das AstúriasFragmentos de ossos foram encontrados em caverna das Astúrias (Foto: Divulgação )
'Todos eles mostram sinais de canibalismo. Eles têm marcas de cortes em vários ossos, incluindo os crânios e as mandíbulas', disse o arqueólogo Carles Lalueza-Fox, do Instituto de Biologia Evolucionária de Barcelona, que coordenou o estudo.
'Os ossos longos foram fragmentados para tirar o tutano, então todos os sinais de canibalismo que foram descritos em outros locais de neandertais estão presentes nesses indivíduos', afirmou.
Família
A conclusão de que o grupo era uma família vem da análise do DNA mitocondrial, o material genético encontrado nas células animais passado pela linhagem feminina.
Os dados genéticos sugerem que enquanto os três adultos do sexo masculino no grupo tinham a mesma linhagem materna, as três mulheres do grupo tinham origens maternas diferentes.
Segundo os pesquisadores, isso mostraria que pelo menos nesta família de neandertais, as mulheres vieram de fora do grupo, enquanto que os homens permaneceram no grupo familiar ao chegar à idade adulta.
Esse modelo do que é chamado 'patrilocalidade' é comumente visto em algumas culturas modernas, observa Lalueza-Fox, com os homens permanecendo na casa da família após o casamento com uma mulher de outro grupo.

domingo, 29 de agosto de 2010

Edward O. Wilson

Salvem o planeta, O biólogo americano diz que a situação é tão grave que ciência e religião deveriam se unir na defesa da biodiversidade

Diogo Schelp

Kris Snibble/Haward News Office
"Religiosos e cientistas deveriam deixar de lado as diferenças. Para ambos, a natureza é sagrada, pois dela depende a criação humana"

Autor de um celebrado estudo sobre a fartura de seres vivos no planeta, chamado Diversidade da Vida, o biólogo americano Edward Wilson foi um dos pioneiros a alertar sobre a extinção em massa de espécies causada pela atividade humana no século XX. Em sua mais recente empreitada – cujo resultado está no livro A Criação, a ser publicado em setembro nos Estados Unidos –, ele analisou as relações entre religião e ciência e propôs uma solução para o confronto ideológico nesse campo. "Religiosos e cientistas deveriam ter um objetivo comum: defender a natureza, porque dela depende a criação humana", diz Wilson. Fundador da sociobiologia, ciência que estuda as bases genéticas do comportamento social dos animais, inclusive o ser humano, ele ganhou duas vezes o Prêmio Pulitzer – por Formigas, inseto do qual é o maior especialista mundial, e Sobre a Natureza Humana, em que estuda o modo como a evolução se reflete na agressividade, na sexualidade e na ética humana. Aos 76 anos, aposentado mas em plena atividade como professor e escritor, Wilson concedeu a seguinte entrevista de seu escritório na Universidade Harvard, nos Estados Unidos.  

V. – Mais de 80% da população dos Estados Unidos não acredita na teoria da evolução. Trata-se de um fenômeno tipicamente americano?
 

Wilson – Para 51% dos americanos, a espécie humana foi criada por uma força superior alguns milhares de anos atrás. Outros 34% acreditam que houve uma evolução guiada por Deus. Os 15% restantes dizem que os cientistas estão corretos. Esses números são extraordinários porque representam exatamente o oposto do que pensam os europeus. Na Europa, 40% da população dá razão à tese de que as espécies evoluíram pela seleção natural. Apenas uma minoria concorda com os criacionistas, que descartam a teoria da evolução.  

V. – O que explica o vigor do criacionismo, a ponto de estar em cogitação ensiná-lo nas escolas americanas, em oposição à teoria da evolução das espécies?

Wilson –
Algumas organizações religiosas estão conseguindo introduzir no governo americano a tese do design inteligente. Isto é, que foi Deus quem guiou a evolução. Ajuda o fato de termos um presidente, George W. Bush, que acredita que Deus fala com ele quando toma certas decisões ou vai à guerra. Isso fortalece as crenças fundamentalistas mais radicais da população. Para completar, após os atentados de 11 de setembro, a população americana, sentindo-se vulnerável, agarrou-se à idéia de que o país precisa se voltar mais para a religião. Em meu próximo livro, A Criação, faço um apelo às pessoas religiosas. Peço que deixem de lado suas diferenças com as pessoas seculares e os cientistas materialistas, como eu, e se juntem a nós para salvar o planeta. A ciência e a religião são as duas forças mais poderosas do mundo. Para ambas, a natureza é sagrada.  

V. – O senhor sustenta existir uma relação direta entre a seleção natural e o sentimento religioso. Qual é?
Wilson – A religião está sempre dizendo às pessoas que sobrevivam, e esse é um princípio básico da seleção natural. A religião estimula a mente humana a transpor as dificuldades, a juntar-se a outros indivíduos e a se comportar de maneira altruísta em favor do grupo. O objetivo é a sobrevivência do grupo. Isso explica por que as religiões são tão tribalistas.  

V. – Qual é o erro da teoria do design inteligente, a idéia de que a complexidade dos organismos vivos é a melhor prova da existência de um projetista divino?

Wilson –
O único argumento dos defensores do design inteligente é que a ciência não consegue explicar todos os detalhes da evolução e dos fenômenos naturais. Para eles, isso é o suficiente para justificar a crença numa força sobrenatural por trás do inexplicável. Obviamente, não se trata de um argumento científico. A motivação dos cientistas é justamente a de descobrir a verdade sobre o que ainda não se consegue explicar. Ao adotar a crença de que a evolução é uma invenção de Deus, a religião coloca em risco sua credibilidade e prestígio. Se os defensores do design inteligente tivessem evidências da existência de forças sobrenaturais nos processos físicos e biológicos, os cientistas seriam os primeiros a estudar esses fenômenos.  

V. – É possível aceitar a teoria da evolução e, ao mesmo tempo, ser religioso?

Wilson –
Sim, claro. Eu próprio me considero um espiritualista. Acredito na grande força do espírito humano. Mas não creio em vida após a morte ou em uma alma separada do corpo e da mente. A criatividade, a estética, o sentimento de totalidade e o amor são essencialmente parte do funcionamento da mente. Sabemos que o cérebro se comporta de maneira diferente quando ocorrem mudanças químicas no organismo ou quando nos machucamos. Isso sugere que a essência humana depende de um sistema celular complexo. Não há incoerência alguma em acreditar que os sentimentos têm uma base física e, ao mesmo tempo, ter uma visão espiritual da mente humana.  

V. – O senhor não se sentiria reconfortado se soubesse que existe vida após a morte?

Wilson –
Pense no que significaria passar o resto da eternidade no céu. Não fomos feitos para isso. A mente humana foi construída para durar por um tempo limitado. Ultrapassar esse limite seria obrigar o indivíduo a uma existência infernal. Uma pesquisa com a elite científica dos Estados Unidos mostrou que 85% dos pesquisadores não se importam se existe ou não vida após a morte. Eu não me importo.  

V. – O senhor afirmou certa vez que se considera um deísta provisório. O que quer dizer com isso?
Wilson – Primeiro é preciso definir teísmo e deísmo. O teísmo é a crença de que Deus intervém nos assuntos humanos. Deus seria capaz de fazer milagres e está diretamente ligado ao discurso humano. Já o deísta é aquele que aceita a possibilidade de existir uma força superior que estabeleceu as leis responsáveis pela criação do universo. O deísta, no entanto, não acredita que Deus esteja envolvido nos assuntos diários dos seres humanos. Enquanto não soubermos dar uma melhor explicação para o início do universo, considero-me um deísta provisório. A ciência está avançando rapidamente. Quem sabe em breve os físicos já possam explicar de onde viemos.  

V. – Muitos críticos dizem que a ciência é uma espécie de religião e que a teoria da evolução exige devoção. O senhor concorda?

Wilson –
Não. Existe uma grande diferença. A religião exige fé, uma fé sem questionamentos. A ciência não tem nada parecido com isso. Baseia-se em um conjunto de conhecimentos acumulados e tem uma trajetória de agregar mais e mais informações que explicam o mundo. É um processo de busca, de exploração e descoberta. Totalmente diferente de religião.  

V. – O senhor vê progresso na evolução?

Wilson –
Sim, porque em bilhões de anos a evolução tem produzido espécies cada vez mais complexas, um maior número de organismos e ecossistemas mais sofisticados. Se tomarmos exemplos isolados, no entanto, veremos que nem sempre a evolução significa progresso. Afinal, ela é fruto de mutações e mudanças genéticas aleatórias. Há casos de parasitas que perderam os olhos e de animais que perderam os pés. Se complexidade é progresso, então essas espécies regrediram.

V. – O fato de o ser humano ter evoluído a ponto de controlar a natureza como nenhum outro animal nos dá o direito de fazer o que quisermos com as outras espécies?

Wilson –
A espécie humana sem dúvida é a mais sagrada do planeta. Afinal, é a mais inteligente e a única civilizada. Nos estágios iniciais da nossa evolução, quando os seres humanos viviam da caça e em bandos, o objetivo era derrotar a natureza, porque isso era uma questão de sobrevivência. Hoje, derrotar a natureza significa destruir parte do que resta de vida na Terra. Temos de saber quando parar. Estamos arruinando a natureza só para abrir um pouco de espaço para mais seres humanos. Isso não é progresso, nem sob o aspecto moral, nem como opção para garantir o futuro da humanidade. Nós precisamos da natureza para garantir a produtividade na biosfera. A espécie humana foi bem-sucedida demais.  

V. – Um estudo da ONU estimou que em 2050 a população da Terra atingirá o pico de 9 bilhões de pessoas, para então estabilizar. Como podemos melhorar a situação econômica de tanta gente e, ao mesmo tempo, impedir a destruição da natureza?
Wilson – A maioria dos especialistas acredita que os recursos existentes na Terra suportariam essa superpopulação sem destruir a natureza. É preciso aumentar a produtividade da terra, e, para isso, temos de utilizar sementes geneticamente modificadas. A espécie humana depende de apenas vinte tipos de planta para se alimentar. Arroz, milho e trigo são as principais. Existem, no entanto, mais de 50.000 plantas cultiváveis. Muitas delas podem se tornar viáveis economicamente com a modificação genética. Se soubermos preservar o que restou da natureza e torná-la mais produtiva, conseguiremos alimentar os 9 bilhões de pessoas previstos para 2050.  

V. – Por que existe resistência tão grande aos alimentos geneticamente modificados?

Wilson –
O primeiro medo é o de que existam riscos ambientais no uso de transgênicos. Há quem tema, por exemplo, que possam dar origem a superbactérias, resistentes a qualquer tipo de remédio. Essa é uma visão hollywoodiana. Não existem evidências de que isso possa ocorrer. Já há as superbactérias, mas elas são naturais. Em geral são espécies de outros países ou continentes trazidas sem querer em navios ou aviões. Em ambientes sem a competição de outras espécies, essas bactérias se espalham e acabam se tornando pestes sérias. O segundo temor é o de que os alimentos transgênicos possam ser prejudiciais à saúde humana. Até agora também não há evidências disso, apesar dos inúmeros estudos. Nos Estados Unidos, 40% dos alimentos consumidos pela população são geneticamente modificados. Há quem diga que isso não é natural. Bobagem. Na prática, temos feito isso há 10.000 anos. Desde que a agricultura foi inventada, criamos plantas e animais modificando sua genética e escolhendo as melhores espécies. Isso não é diferente de introduzir novos genes diretamente em uma espécie. Não é o gene que interessa, e sim se o produto criado com ele é bom.

V. – Por que é tão urgente preservar a biodiversidade do planeta?

Wilson –
Um cálculo feito em 1997 por biólogos e economistas mostrou que as espécies de todos os ecossistemas contribuíram com 30 trilhões de dólares em "serviços", como limpeza e retenção de água, regeneração de solo e limpeza da atmosfera. Esse valor era, naquele momento, próximo ao de toda a produção humana. Dependemos da biodiversidade mais do que imaginamos. Outro aspecto é que estamos começando a compreender como as espécies que surgiram 1 milhão de anos atrás foram extintas e substituídas por outras. Isso é importante para entendermos a origem da vida. Precisamos desse conhecimento. Os cientistas identificaram apenas 10% das espécies e organismos existentes no planeta. Conhecer os 90% restantes tem um valor inestimável.  

V. – Alguns cientistas dizem que a espécie humana está vivendo uma evolução acelerada. A tese é a de que a humanidade está começando a decidir sobre sua própria evolução. O senhor concorda?

Wilson –
Sim, em meu livro dei a esse fenômeno o nome de evolução voluntária. Estamos próximos de atingir um estágio de desenvolvimento em que poderemos escolher o caminho da nossa evolução. Em breve poderemos eliminar totalmente doenças genéticas, como fibroses, simplesmente substituindo os genes defeituosos. Essa é uma forma de conduzir a evolução. A questão é se deveria ser permitido usar a engenharia genética para melhorar indivíduos humanos. Em alguns anos, os pais poderão escolher se o filho será um bom atleta ou um bom músico. Devemos permitir isso? Trata-se de uma questão ética que ainda não foi analisada em profundidade. Simplesmente porque ainda não estamos enfrentando os problemas relacionados a essas possibilidades tecnológicas. Em algum momento, a humanidade deverá decidir sobre isso, e aí teremos a evolução voluntária. Precisaremos ser muito cuidadosos ao mudar a natureza, pois é ela que nos faz humanos.

V. – Qual o limite?

Wilson –
Não sei, está fora do meu alcance. Precisamos de mais conhecimentos sobre genética, saber melhor o que somos, qual é a natureza humana e quais as conseqüências dessas mudanças na organização da nossa sociedade atual. É uma grande pergunta. Nós mal conseguimos entender a nós mesmos nas condições atuais. Tentar entender como seríamos se nos alterássemos geneticamente é um passo gigantesco.  

V. – Em sua opinião, é eticamente aceitável tentar encontrar uma explicação genética para o comportamento homossexual?

Wilson –
Sim. Quanto mais soubermos, quanto mais verdades tivermos, mais teremos capacidade de resolver questões que mobilizam a sociedade. Já existem algumas evidências de que a homossexualidade acontece por um componente genético hereditário. Parte da variação da preferência sexual deve-se aos genes. Se soubermos o que está envolvido nisso, poderemos tomar decisões racionais e morais sobre o assunto. Se a ciência provar que a homossexualidade tem uma base genética e que o gene está bem distribuído pela população, os gays vão poder dizer: "A evolução natural nos fez assim, e, por isso, não há nada de errado no que fazemos e no tipo de vida que levamos". Esse é um ótimo argumento. Por outro lado, se descobrirmos que a homossexualidade não tem nenhuma origem genética, ganhará força a tese de que esse comportamento sexual tem como causa um trauma ocorrido na infância. Os defensores dessa tese terão argumentos para querer curar ou corrigir os homossexuais. Até descobrirmos a verdade sobre isso, essa discussão vai continuar indefinidamente. Por isso, quanto mais soubermos, mais livres seremos.

domingo, 2 de maio de 2010

Comida cozida ajudou a forjar evolução da humanidade

RICHARD WRANGHAM 



Pesquisador propõe que ancestrais do homem já modificavam alimento com o fogo há cerca de 2 milhões de anos

SE HÁ algo que torna os seres humanos criaturas únicas, diz o primatologista Richard Wrangham, da Universidade Harvard, é o ato de cozinhar. Modificar o alimento com a ajuda do fogo é uma tradição mais antiga que o próprio Homo sapiens, tendo moldado a fisiologia e o comportamento humanos, afirma ele. O sistema digestivo aproveita muito mais a energia dos alimentos cozidos, e a primeira divisão de trabalho se deu entre quem caçava e quem preparava a comida.

Tim Laman/Bloomberg

O primatologista britânico Richard Wrangham, de Harvard, autor do novo livro "Pegando Fogo"

RICARDO MIOTO
DA REPORTAGEM LOCAL

Essa é a tese de seu novo livro, "Pegando Fogo: Por que cozinhar nos tornou humanos", recém-lançado no Brasil pela editora Jorge Zahar. Embora faltem dados arqueológicos, Wrangham aposta que o hábito de cozinhar remonta a quase 2 milhões de anos atrás, era em que o Homo erectus, possível ancestral do homem, surgia na África. Confira a entrevista abaixo.



 
FOLHA - Ir a campo observar chimpanzés está saindo de moda? Ainda há o que pesquisar assim?
RICHARD WRANGHAM
 - Na verdade, mais e mais pesquisadores estão trabalhando com os chimpanzés na floresta. Além dos sítios clássicos de pesquisa (como Gombe e Mahale, na Tanzânia, Taï, na Costa do Marfim, e Kibale, em Uganda), eles estão sendo os pioneiros em novos lugares (como Fongoli, no Senegal, e Goualougo, no Congo). Fazem isso porque sabem que os chimpanzés têm muito a nos contar, mas que o tempo é curto: a cada década, mais populações e habitats desaparecem. Aparentemente existem importantes diferenças no comportamento dos animais, mas nós ainda não temos certeza sobre por que ocorrem. E nós ainda sabemos pouco sobre uma grande questão: por que chimpanzés e bonobos [espécie "hippie" que é prima do chimpanzé comum, mas é muito dócil] se comportam de maneira tão diferente -uma questão que poderia ajudar a entender por que humanos têm uma mistura ímpar de tendências pacíficas e violentas.


FOLHA - Há 13 anos, o sr. escreveu "O Macho Demoníaco", que causou polêmica ao mostrar o comportamento altamente violento dos chimpanzés, com estupros e massacres, e traçar um paralelo com humanos. Em 2010, a ideia do "bom selvagem" ainda está forte?
WRANGHAM
 - Sem dúvida esse debate vai existir por muito tempo. Mas minha impressão é que, em geral, as pessoas estão ficando mais atentas à importância da biologia na psicologia humana, incluindo a nossa tendência à violência -e as nossas interações pacíficas. Está, também, ficando mais claro que entender os chimpanzés é importante. Os filmes ajudaram a mostrar às pessoas o que acontece na floresta, então todos agora podem ter a experiência que uns poucos privilegiados como eu conseguiam ter décadas atrás.


FOLHA - A presença de pesquisadores como o sr. entre os animais não altera o comportamento deles?
WRANGHAM
 - Ao contrário de pessoas trabalhando em santuários ou em zoológicos, como um observador de campo eu não interajo com os chimpanzés: meu objetivo é ser uma sombra, sempre presente mas ignorado, nunca em contato físico ou social com eles.


FOLHA - Mas existe uma relação emocional com os bichos?
WRANGHAM
 - Eu certamente sinto falta de ficar com os chimpanzés. Fico fascinado com os indivíduos e emocionalmente envolvido com a novela das suas vidas, mas a relação que tenho com os meus objetos de estudo é diferente da relação com o meu cachorro.


FOLHA - Sobre o seu novo livro, "Pegando Fogo": o sr. diz que foram os ancestrais do homem que dominaram o fogo, e não o Homo sapiens. Mas não há evidência arqueológica de que isso tenha acontecido. Como o sr. lida com isso?
WRANGHAM
 - A questão é o quanto a "ausência de evidência" significa "evidência de ausência". Espero que mais cientistas procurem evidências de fogo há 1,8 milhão de anos [quando surgiu o Homo erectus], e que eles as encontrem! Mas os arqueólogos que acreditam que o fogo só foi controlado depois não explicam três questões: sem fogo, por que os humanos têm dentes pequenos, sistema digestivo curto e dormem no chão [com o fogo, nesse caso, tendo uma função de proteção]?


FOLHA - O quanto o sr. acha que seus livros são especulativos?
WRANGHAM
 - Tanto "O Macho Demoníaco" quanto "Pegando Fogo" apresentam ideias que são novas e, certamente, têm componentes especulativos. Mas acho que sou suficientemente claro ao dizer quais partes são bem documentadas e quais exigem mais evidências.


FOLHA - Por que Darwin ignorou que o fogo talvez fosse uma força importante na evolução humana?
WRANGHAM
 - Darwin escreveu que "a descoberta do fogo, provavelmente a maior já feita pelo homem depois da linguagem, aconteceu antes do início da história". Então ele achava que o fogo era importante. Também percebeu a importância de cozinhar. "[Com o fogo] raízes duras e fibrosas podem se tornar digeríveis, e alimentos venenosos, inócuos." Mas Darwin deu pouca atenção ao aspecto evolutivo relacionado ao fogo porque assumiu que a espécie que aprendeu a controlar o fogo já era a humana. Talvez Darwin fosse pensar mais profundamente sobre o papel do fogo se soubesse que os humanos evoluíram dos australopitecos. Mas, nos tempos de Darwin, não se sabia nada sobre as origens humanas, além da sua própria sugestão de que os humanos vinham de algum tipo de primata africano.


FOLHA - O sr. também cita Lévi-Strauss como alguém que não reparou na importância de cozinhar para a história evolutiva humana.
WRANGHAM
 - Lévi-Strauss prestou atenção no ato de cozinhar, mas não no seu significado biológico. Simplesmente nunca considerou a possibilidade de que cozinhar fazia alguma diferença. Mas dificilmente ele pode ser culpado por isso. Mesmo os nutricionistas raramente dizem que nós precisamos de comida cozida por uma questão biológica.


FOLHA - O seu livro pode ser interpretado como uma crítica a quem adota uma dieta de comida crua?
WRANGHAM
 - É um hábito que não é natural nos seres humanos, mas pode ser uma boa dieta para perder peso.


FOLHA - O senhor gosta de comida japonesa? WRANGHAM - A minha favorita é a mediterrânea.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Macaco africano "hippie" nunca vira adulto, diz bióloga

 São famosas as fotos de bonobos, uma espécie de macaco de índole pacífica, fazendo sexo em várias posições --coisa que eles praticam mesmo sem fins reprodutivos, apenas para criar laços afetivos. Um novo estudo tenta explicar por que esses animais altamente sociáveis, apelidados de "macacos hippies", são tão dóceis, ao contrário dos seus primos, os chimpanzés, mais agressivos. A ideia é que, de certo modo, os bonobos nunca se tornam adultos.
Ryan E. Poplin/CC
Filhote de bonobo, macaco africano dócil e "hippie", que "nunca se torna adulto", segundo pesquisa; seu primo chimpanzé é o oposto
Filhote de bonobo, macaco africano dócil e "hippie", que "nunca se torna adulto", segundo pesquisa; seu primo chimpanzé é o oposto

Quem propõe a hipótese é Victoria Wobber, especialista em comportamento animal da Universidade Harvard, dos EUA. A infância dos primatas tem, em geral, como característica o gosto por brincadeiras e diversão. Conforme crescem, animais como o chimpanzé se tornam menos sociais, mais individualistas, mesquinhos e agressivos. Wobber levantou a hipótese de que talvez bonobos nunca chegassem a essa fase. Em um dos experimentos, juntou então 30 chimpanzés e 24 bonobos que vivem em reservas na África. Fez pares de animais da mesma espécie e deu pedaços de banana para um deles. Bonobos costumavam compartilhar a comida recebida, independemente da idade. Chimpanzés jovens dividiam a banana, mas adultos ignoravam essa possibilidade. Evoluções Em estudo na revista "Current Biology", Wobber explica que não é porque os chimpanzés são menos amigáveis que eles são "menos evoluídos" que os bonobos. E, do mesmo jeito, os bonobos não são inferiores aos chimpanzés porque eles retém características da infância. Trata-se de maneiras diferentes de se adaptar a situações diferentes. As espécies se separaram há cerca de 2 milhões de anos, passando a ocupar áreas distintas. Ancestrais dos bonobos ficaram fora de regiões exploradas por gorilas, onde acabava sobrando mais comida. Nesse cenário, "reter os traços juvenis foi largamente vantajoso, pois era algo associado à redução da agressão nos grupos de bonobos", explica Wobber. Os chimpanzés, enquanto isso, precisaram se manter agressivos e egoístas, pois num ambiente menos abastado isso lhes garantia mais alimento.

Por uma menor agressividade, os bonobos "optaram" por prolongar características da infância. Com isso, outros comportamentos típicos dessa fase podem ter vindo junto, ainda que não fossem uma adaptação ao ambiente, diz Wobber.


Para os cientistas, como chimpanzés e bonobos são "primos" próximos da espécie humana, as descobertas podem ajudar a entender as origens do comportamento das pessoas.

Bonobos são especialmente parecidos com humanos: pessoas também sãosociáveis e gostam de sexo em várias posições. Mas existem diferenças. Pessoas também podem ser muito agressivas e mesquinhas.

Por isso, como a psicologia humana tem suas particularidades, paralelos entre a evolução de comportamentos em bonobos e em humanos ainda não podem ser muito bem estabelecidos no que se refere ao prolongamento da infância. Mas isso não intimida os biólogos.

"O próximo passo que vamos dar é fazer comparações diretas com humanos", diz Wobber.