quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Darwin: avançado para sua época, mas influente até hoje

Teoria de naturalista explicou a origem das espécies.
Ideias do britânico causam controvérsia ainda nos dias de hoje.
Nicholas Wade Do 'New York Times'

Charles Darwin 

A teoria da evolução, de Darwin, se tornou a pedra fundamental da biologia moderna. Porém, durante grande parte da existência dessa teoria, nascida em 1859, até mesmo biólogos a ignoraram ou a negaram veementemente, em todo ou em parte.

O fato de os biologistas terem levado quase meio século para entender a visão de Darwin corretamente é, por si só, uma testemunha de sua mente extraordinária.

Biólogos rapidamente aceitaram a ideia da evolução, mas durante décadas rejeitaram a seleção natural, o mecanismo proposto por Darwin para o processo evolucionário. Até meados do século 20 eles ignoraram amplamente a seleção sexual, um aspecto especial da seleção natural, proposto por Darwin para explicar ornamentos masculinos, como as plumas de um pavão macho. Eles ainda discutem sobre a seleção no nível de grupos, a ideia de que a seleção natural pode operar tanto na esfera grupal quanto na individual. Darwin propôs a seleção grupal – ou algo do tipo; estudiosos diferem em relação ao quê exatamente ele se referia – castas em sociedades de formigas e moralidade nas pessoas.

Como Darwin pôde ser tão avançado em relação à sua época? Por que os biólogos foram tão lentos para entender que Darwin havia oferecido a resposta correta para tantas questões essenciais? Historiadores da ciência observaram várias características distintivas da abordagem de Darwin em relação à ciência que, além de geniais, foram responsáveis por suas ideias. Eles também apontam vários critérios não-científicos que funcionavam como bloqueios mentais, dificultando a aceitação das ideias de Darwin pelos biólogos.

 

Livre pensar

Uma das vantagens de Darwin é que ele não teve de escrever propostas para bolsas de pesquisa ou publicar 15 artigos por ano. Ele pensou profundamente sobre cada detalhe de sua teoria por mais de 20 anos antes de publicar "A Origem das Espécies", em 1859, e por 12 anos mais, antes de sua sequência, "The Descent of Man", que abordava como sua teoria era aplicada ao ser humano.

Darwin trouxe inúmeras virtudes intelectuais para a tarefa. Em vez de varrer objeções a sua teoria, ele refletia sobre ela obsessivamente, até descobrir uma solução. Ornamentos masculinos chamativos, como as plumas do pavão, eram aparentemente difíceis de serem explicados pela seleção natural, pois pareciam mais um defeito do que uma ajuda à sobrevivência. "Sempre que vejo uma pluma no pavão, fico doente", escreveu Darwin. Porém, de tanto se preocupar com a questão, ele desenvolveu a ideia da seleção sexual, de que fêmeas escolhem machos com os melhores ornamentos, e por isso os machos mais elegantes dão mais crias.

Darwin também era intelectualmente duro na queda. Ele se agarrava às consequências profundamente confusas de sua teoria, a de que a seleção natural não tem nenhum propósito ou objetivo. Alfred Wallace, que pensou sobre a seleção natural de forma independente, mais tarde perdeu a confiança no poder dessa ideia e recorreu ao espiritualismo para explicar a mente humana. "Darwin teve a coragem de enfrentar as implicações do que tinha feito, mas o pobre do Wallace não conseguiu", conta William Provine, historiador da Cornell University.

A ideia de Darwin sobre a evolução não era somente profunda, mas também muito ampla. Ele se interessava por fósseis, criação de animais, distribuição geográfica, anatomia e plantas. "Essa visão bastante abrangente o permitiu enxergar coisas que talvez os outros não tenham visto", afirma Robert J. Richards, historiador da Universidade de Chicago. "Ele tinha tanta certeza de suas ideias centrais – a transmutação das espécies e a seleção natural – que ele teve de encontrar uma forma de juntar tudo isso".

Da perspectiva atual, os principais conceitos de Darwin estão substancialmente corretos. Ele não acertou tudo. Por não conhecer as placas tectônicas, os comentários dele sobre a distribuição das espécies não são muito úteis. Sua teoria sobre hereditariedade, já que ele não conhecia a genética ou o DNA, também não vem ao caso. No entanto, seus conceitos centrais sobre seleção natural e sexual estavam corretos. Ele também apresentou uma forma de seleção em nível grupal que foi durante muito tempo descartada, mas agora tem defensores como os biólogos E.O. Wilson and David Sloan Wilson.

Darwin não estava apenas correto em relação às premissas centrais de sua teoria. Suas visões prevalecem em várias outras questões ainda em aberto. Sua ideia sobre como novas espécies se formam foi ofuscada durante muito tempo pela visão de Ernst Mayr de que uma barreira reprodutiva, como uma montanha, força uma espécie a se dividir. Porém, inúmeros biólogos agora estão retornando à ideia de Darwin de que a especiação ocorre mais frequentemente através da competição em espaços abertos, diz Richards.

Darwin acreditava na continuidade entre humanos e outras espécies, o que o levou a pensar sobre a moralidade humana como relacionada à simpatia observada entre animais sociais. Essa ideia, rechaçada por muito tempo, somente foi ressuscitada recentemente por pesquisadores como o especialista em primatas, Frans de Waal. Darwin "nunca achou a moralidade uma invenção nossa, mas um produto da evolução, uma posição, hoje, com alto crescimento em popularidade, devido à influência do que sabemos sobre o comportamento animal", afirma de Waal. "Na verdade, retornamos à visão darwiniana original".

 

Inflamável

É notável que um homem morto em 1882 ainda influencie discussões entre biólogos. Talvez seja igualmente estranho o fato de tantos biólogos terem deixado, durante décadas, de aceitar as ideias de Darwin, expressas claramente em um inglês elegante.

A rejeição se deve, em parte, porque uma grande área da ciência, incluindo os dois novos campos da genética mendeliana e da genética populacional, precisava ser desenvolvida antes que outros tentadores mecanismos de seleção pudessem ser excluídos. No entanto, houve também uma série de considerações não-científicas que afetaram o discernimento dos biólogos.

No século 19, os biólogos aceitaram a evolução, em parte porque ela implicava progresso.

"A ideia geral de evolução, particularmente se você a tomasse como progressiva e propositada, se encaixava na ideologia da época", diz Peter J.Bowler, historiador de ciência da Universidade do Queens, em Belfast. Porém, isso tornou muito mais difícil aceitar que algo tão despropositado como a seleção natural pudesse ser a força modeladora da evolução. "A Origem das Espécies" e sua ideia central foram largamente ignoradas e não voltaram à moda até a década de 1930. Nessa época, o geneticista populacional R.A. Fisher e outros mostraram que a genética mendeliana era compatível com a ideia da seleção natural, trabalhando em pequenas variações.

"Se você pensar nos 150 anos desde a publicação de 'Origem das Espécies', a obra passou metade desse tempo no deserto e metade no centro, e mesmo no centro ela não foi mais do que marginal, diz Helena Cronin, filósofa de ciência da Escola de Economia de Londres". “Essa é uma rejeição bastante abrangente a Darwin."

Darwin ainda está longe de ser totalmente aceito em ciências fora da biologia. "As pessoas dizem que a seleção natural é correta para corpos humanos, mas não quando se trata de cérebros ou comportamento", diz Cronin. "Porém, fazer uma exceção para uma espécie é negar a doutrina de Darwin em compreender todos os seres vivos. Isso inclui quase o todo dos estudos sociais – e esse é um corpo de influência considerável que ainda está rejeitando o darwinismo."

O desejo de enxergar um propósito na evolução e a dúvida de que ela realmente se aplique a pessoas eram dois critérios não-científicos capazes de levar cientistas a rejeitar a essência da teoria de Darwin. Um terceiro, em termos de seleção em grupo, pode ser a tendência das pessoas de pensar nelas mesmas como indivíduos, e não como unidades de um grupo.

"Cada vez mais, estou começando a pensar sobre o individualismo como nosso próprio preconceito cultural que explica mais ou menos por que a seleção em grupo foi tão fortemente rejeitada e ainda é tão controversa", diz David Sloan Wilson, biólogo da Universidade Binghamton.

Historiadores cientes do longo eclipse enfrentado pelas ideias de Darwin talvez tenham uma noção mais clara de sua extraordinária contribuição, se comparados aos biólogos, pois muitos deles assumem que a teoria de Darwin sempre foi vista como uma grande moldura explicativa para toda a biologia. Richards, o historiador da Universidade de Chicago, recorda que um colega biólogo "teve a chance de ler 'A Origem' pela primeira vez – a maioria dos biólogos nunca o leu – graças a uma aula que estava dando. Encontramos-nos na rua e ele observou, 'Sabe, Bob, Darwin realmente sabia muita coisa de biologia.'"

Darwin sabia muita coisa de biologia: mais que qualquer de seus contemporâneos, mais que um número surpreendente de seus sucessores. Com estudo e pensamento prolongados, ele foi capaz de intuir como a evolução funcionou sem ter acesso a todo o conhecimento científico subsequente exigido por outros para se convencerem da seleção natural. Ele teve objetividade para colocar de lado critérios com poderosa ressonância emocional, como a convicção de que a evolução deveria ter um motivo. No resultado, nós vimos com profundidade os estranhos funcionamentos do mecanismo evolutivo, uma percepção ainda não totalmente superada, mesmo um século depois de seu grande trabalho de síntese.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Tataraneto de Darwin refaz rota do ancestral no Brasil

Tataraneto de Darwin refaz rota do ancestral no Brasil

Durante expedição pelo interior do Rio, Randal Keynes "enfrenta" criacionistas

Viagem para comemorar os 200 anos de publicação de "A Origem das Espécies", em 2009, incluiu 12 cidades que pai da evolução visitou

Rafael Andrade/Folha Imagem
O lingüista Randal Keynes

ITALO NOGUEIRA
ENVIADO ESPECIAL AO INTERIOR DO RIO

Quatro gerações após o naturalista Charles Robert Darwin observar animais e plantas no interior do Rio e iniciar a viagem que o inspirou a criar a teoria da seleção natural, um de seus descendentes pôde colher evidências daquilo que a tese de seu ancestral provocou: o debate entre religião e ciência.
O lingüista Randal Keynes, 60, tataraneto de Darwin, participou na semana passada da expedição "Caminhos de Darwin", organizada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a Casa da Ciência da UFRJ e o Departamento de Recursos Minerais do Rio para realizar eventos com estudantes nas 12 cidades por onde Darwin passou no Estado. O evento integra as comemorações no Brasil do Ano Darwin, 2009, bicentenário da publicação de sua obra-prima "A Origem das Espécies". Keynes assistiu até a um julgamento da seleção natural.
Aos 22 anos, em 1831, Charles Darwin embarcou no HMS Beagle, navio britânico que tinha como objetivo identificar rotas de navegação. Durante a viagem, de cinco anos, escreveu um diário -publicado depois no livro "A Viagem do Beagle".
As observações basearam a elaboração da teoria da seleção natural como mecanismo evolutivo. A tese sofreu resistência da igreja, pois eliminava a necessidade de ação divina para a produção das espécies.
Darwin ficou 93 dias no Rio, 16 deles no interior -o navio também passou por Salvador, Recife e Fernando de Noronha.

Tribunal
Os estudantes Gabriel de Martim, 12, e Lucas da Silva Siciliano, 12, sintetizaram a discussão mantida -explícita ou veladamente- nas cidades visitadas. Os dois representaram, respectivamente, Darwin e um papa numa peça em Araruama que encenava um "julgamento" sobre a teoria darwinista.
"Toda vez que trabalhamos a teoria da evolução, a turma se divide. Decidimos mostrar esse debate", disse Marcos Barbosa, professor de história.
Keynes disse ter visto uma boa recepção ao aprendizado da teoria de Darwin. Para ele, a seleção natural e religião não são incompatíveis. "O problema [de algumas pessoas] é aceitar que humanos estão intimamente ligados a animais. Temos de aceitar nossa natureza humana e animal."
Em Maricá, Marcos Lacerda, professor de biologia, afirmou que pode até perder o posto de paraninfo de uma turma após ensinar a teoria em sala de aula. "Tem aluno que carrega a Bíblia embaixo do braço."
Já em Conceição de Macabu, Keynes assistiu a uma peça organizada por uma criacionista: Elieth Figueira, diretora da escola onde foi realizada a recepção ao descendente de Darwin.
"Eu não gostava de Darwin. Depois que soube que ele passou pela cidade, passei a admirá-lo. Mas continuo não concordando com a teoria."
O criacionismo ganhou força no Rio principalmente após a ex-governadora evangélica Rosinha Matheus instituir a obrigatoriedade do ensino religioso nas escolas estaduais.
"Não é possível dizer que a questão religiosa dificulta a aprendizagem da teoria de Darwin, já que o ensino como um todo é deficiente. Mas é um obstáculo. A interferência de alguns padres e pastores dificulta a convivência da teoria com a crença religiosa", disse a bióloga Sandra Selles, da Universidade Federal Fluminense.
Ao que tudo indica, Darwin e a religião continuarão a dividir o mesmo espaço. A Fazenda Itaocaia -um dos locais por onde ele passou- pertence agora a Manoel Nunes dos Santos, 60, um empresário que se orgulha de mostrar a sua carteirinha de missionário da igreja Ministério Restaurando Vidas.
Ele diz não conhecer a seleção natural. Crê em milagres e na criação divina, mas não se importa com o que dizem de Darwin e quer manter a fazenda onde o cientista almoçou. "É história. Tenho de preservar."

Mata que naturalista viu já quase não existe


DO ENVIADO AO INTERIOR DO RIO

A mesma floresta tropical brasileira que provocou "deleite" no naturalista Charles Darwin em 1832 é hoje motivo de preocupação para o seu tataraneto, o lingüista Randal Keynes, 60. As 12 cidades percorridas por Darwin no século 19 no interior do Rio de Janeiro -trajeto refeito por seu Keynes na semana passada- mantêm menos de um quinto de sua vegetação original, de acordo com a ONG SOS Mata Atlântica.
"Deleite, entretanto, é uma palavra fraca para expressar os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, passeia sozinho numa floresta brasileira. Em meio à profusão de objetos notáveis, a exuberância geral da vegetação ganha longe", escreveu Darwin em seu diário.
Quase dois séculos depois, o município mais devastado da região é Araruama, onde resta 3,23% da mata original. O mais conservado é Casimiro de Abreu (30% remanescentes).
Foi a caminho de Araruama que Darwin descreveu uma floresta onde "as árvores eram muito altas e notáveis pela brancura de seus troncos, comparadas com as da Europa". "Ele provavelmente se referia ao ubatã", diz Cyl Farney, pesquisador do Jardim Botânico. "A planta ainda existe, mas está muito dispersa. Seria mais difícil ele perceber uma aglomeração dessa espécie hoje. O que resiste são fragmentos espaçados do que Darwin viu."
Já vegetação de manguezal, que ainda tem alguns trechos preservados, é ameaçada pela ocupação irregular às margens das lagoas. Para Keynes, a situação merece atenção para não se tornar como outros lugares do mundo onde "a riqueza da vegetação é só história".
"A mata remanescente é suficiente para conservar, restaurar e para as pessoas entenderem o que Darwin viu quando esteve aqui", diz. "Esse ambiente foi o laboratório de Darwin."
Há regiões mais vistosas, como a Serra do Mato Grosso, que o naturalista descreveu em suas anotações. "Temos núcleos de vegetação preservados ao longo do caminho, mas dependem da criação de parques para se manterem", diz Kátia Mansur, geóloga do Departamento de Recursos Minerais.
As margens do rio São João, em Casimiro de Abreu, mantém a vegetação de mangue, embora esteja ocupada em alguns trechos por casas. Ambientalistas locais dizem que o rio recebe esgoto, mas mesmo assim moradores se banham lá.

"Cada hectare cultivado"
O casario antigo também sobrevive com dificuldade. A fazenda Campos Novos, sede da Secretaria de Agricultura de Cabo Frio, sofre com cupins e precisa de restauração.
"A mata atlântica foi importante para a ciência", diz o diretor do Departamento de Popularização da Ciência e Tecnologia do MCT, Ildeu Moreira. "A biodiversidade foi fonte de estudo para Darwin elaborar a principal teoria da história da ciência. É importante preservá-la, pois há muito a ser estudado sobre ela."
Em seu diário, Darwin descreve uma fazenda da região de Macaé como "o trecho mais interior de terreno aberto até as montanhas". "Dá para imaginar em que estado este país ficará quando cada hectare for cultivado." Pesquisadores acreditam que o cientista se referia à expectativa do progresso e da prosperidade. Porém, mais de 80% do que o naturalista viu foi devastado sem que essa perspectiva fosse atendida. (IN)

O que Jane Austen diria a Charles Darwin


Moral implícita da literatura tem papel evolutivo nas sociedades modernas, sugere estudo de psicólogos

PRIYA SHETTY
DA "NEW SCIENTIST"

Por que o hábito de contar histórias perdura através do tempo e das culturas?
Talvez a resposta esteja em nossas raízes evolutivas. Um novo estudo sobre a forma com que as pessoas reagem à literatura vitoriana sugere que os romances funcionam como uma espécie de cimento social, fortalcendo os tipos de comportamentos que beneficiam as sociedades. A literatura "pode condicionar a sociedade continuamente de forma que lutemos contra impulsos básicos e trabalhemos de forma mais cooperativa", afirma Jonathan Gottschall do Washington and Jefferson College, da Pensilvânia.
Gottschall e seu co-autor Joseph Carroll, da Universidade do Missouri em Saint Louis, estudam como as teorias de evolução de Darwin se aplicam à literatura. Junto de John Johnson, psicólogo da Universidade do Estado da Pensilvânia em DuBois, os pesquisadores pediram a 500 pessoas que preenchessem um questionário sobre 200 romances clássicos vitorianos. Os voluntários tinham de definir os personagens como protagonistas ou antagonistas. Depois, deveriam descrever suas personalidades e motivações, dizendo, por exemplo, se eram conscienciosos ou sedentos por poder.

Elizabeth x Drácula
A equipe descobriu que os personagens se encaixavam em grupos que refletiam a dinâmica igualitária de sociedades de caçadores-coletores, nas quais a dominância de indivíduos era suprimida em prol do bem geral. Os resultados do estudo estão na revista "Evolutionary Psychology" (vol. 4, pág. 716).
Protagonistas como Elizabeth Bennett, de "Orgulho e Preconceito", de Jane Austen, tinham pontuação alta em concienciosidade e dedicação. Por outro lado, antagonistas como o conde Drácula, do livro de Bram Stoker, pontuavam mais como caçadores de status e em dominância social.
Nos romances, o comportamento dominante é "poderosamente estigmatizado", afirma Gottschall. "Os malvados e as malvadas são apenas máquinas de dominação; estão obcecados por continuar prosseguindo nisso, raramente têm comportamento pró-social."
Apesar de pouca gente no mundo de hoje viver em sociedades de caçadores-coletores, "a dinâmica política operante nesses romances, ou seja, a oposição básica entre comunitarismo e comportamento de dominação, é um tema universal", afirma Carroll. Christopher Boehm, um antropólogo cultural que Carrol reconhece como importante influência em seu estudo, concorda. "Democracias modernas, com sua separação entre os poderes e equilíbrio entre eles, estão promovendo um ideal igualitário."
Nas respostas dos voluntáriso às questões, poucos personagens eram julgados ao mesmo tempo bons e maus, como Heathcliff de "O Morro dos Ventos Uivantes", de Emily Brontë, ou o sr. Darcy, de "Orgulho e Preconceito". "Eles revelam a pressão que é exercida sobre a manutenção da ordem social total", afirma Carroll.

Lição de moral
Boehm e Carroll dizem crer que os romances tenham o mesmo efeito que os contos com lição de moral das sociedades antigas. "Assim como os caçadores-coletores contavam sobre trapaça e intimidação para manter as pessoas mobilizadas no objetivo de evitar que os malvados vencessem, os romances nos direcionam para os mesmos problemas", afirma Boehm. "Eles têm uma função que continua a contribuir para a qualidade e para a estrutura da vida em grupo."
"Talvez as narrativas -sejam as da televisão ou as de contos populares- sirvam na verdade a uma função evolutiva específica", diz Gottschall. "Elas não são apenas subprodutos da adaptação evolutiva."  

Celebrando (o estudo d)a vida



Antes da teoria da evolução, não se podia explicar a diversidade
No início do ano, escrevi sobre a festa dos céus, o Ano Internacional da Astronomia, que será celebrado durante 2009 pelo mundo afora. Só o congresso da União Internacional da Astronomia reunirá cerca de 6 mil astrônomos no Rio em agosto. Mas essa não é a única festa da ciência neste ano. A biologia também tem muito o que celebrar. Este é o ano do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e o 150 anos da publicação de seu livro revolucionário "A Origem das Espécies", onde o naturalista elaborou os princípios de sua teoria da evolução das espécies.
Poucos nomes na história da ciência são tão celebrados quanto Darwin. O que Galileu, Newton e Einstein representam para a física, Dalton e Lavoisier para a química, Darwin representa para a biologia. Antes dele, não haviam explicações plausíveis para a incrível diversidade da vida que vemos na natureza, de micróbios unicelulares, plantas e peixes aos insetos, aves e mamíferos. No mundo ocidental, a explicação aceita era bíblica: Deus criou a vegetação no terceiro dia, os peixes e as aves no quinto, e os animais terrestres e o homem no sexto. Mesmo que fósseis de animais estranhos (leia-se dinossauros e mamíferos terrestres agigantados) fossem conhecidos, o argumento para a sua ausência invocava o Dilúvio e a Arca de Noé. Pelo jeito, os monstros não foram bem recebidos no grande barco. Talvez alguns teólogos oferecessem razões mais sofisticadas, mas essa era a opinião de muitos.

De todas as suas características, as que Darwin mais celebrava eram a meticulosidade e a capacidade de perceber detalhes quando outros não os viam. Quando jovem, atravessou o mundo no navio Beagle, colhendo espécies diversas da flora, passando horas observando o comportamento da fauna local, colecionando fatos e anotações. Ficou muito impressionado com a beleza do Brasil.
Sua curiosidade pela riqueza com que a vida se manifestava à sua volta e a paixão pelo conhecimento davam-lhe a infinita paciência necessária para observar as menores variações dentre espécies de acordo com o ambiente e o clima, a importância da geologia na determinação das espécies de uma região, a complexa relação entre a flora e a fauna.

Profundamente influenciado pelo geólogo Charles Lyell, que considerava seu mentor, Darwin aos poucos percebeu que tal riqueza nas espécies só poderia ser possível se pequenas variações ocorressem ao longo de enormes intervalos de tempo. A filosofia de Lyell pregava que as rochas terrestres representam a sua longa história, registrando nas suas propriedades as várias transformações que sofreram ao longo dos milênios. Os mesmo processos que sofreram no passado continuam ativos no presente. A partir de suas meticulosas observações, Darwin concluiu que algo semelhante ocorria com os seres vivos; eles também sofriam pequenas modificações ao longo do tempo.

As que facilitavam a sua sobrevivência seriam passadas de prole em prole mais eficientemente, enquanto que aquelas que dificultavam a sobrevivência dos animais seriam aos poucos eliminadas. Com isso, após muitas gerações, a espécie como um todo se alteraria, tornando-se gradualmente distinta de seus ancestrais. A funcionalidade dos bicos de certos pássaros, por exemplo, ilustra bem a adaptabilidade de acordo com o ambiente.

Esse processo de seleção natural forneceu, pela primeira vez na história, um mecanismo racional capaz de explicar a multiplicidade da vida e a sua ligação com o passado. O legado de Darwin é, antes de mais nada, uma celebração da liberdade que nos é acessível quando nos dispomos a refletir sobre o mundo em que vivemos.  

Lições de um observador


Bisneto de Charles Darwin diz que biólogos modernos publicam dados sem saber o que eles são e que paciência na análise era principal virtude científica do pai da teoria evolutiva

Charles Darwin (1809-1882) não sabia o que era DNA, não rastreava animais usando GPS e não levou câmera fotográfica digital em sua viagem, mas sua maneira de trabalhar ainda tem muito a ensinar aos biólogos. Essa é a opinião de alguém que -seja por cultura ou por genética- herdou um pouco do talento do grande naturalista.
Para Richard Darwin Keynes, 89, bisneto do criador da teoria da evolução, as notas que o cientista tomou durante a viagem do HMS Beagle, de 1831 a 1835, são exemplo de como pensar sobre informação nova quando ainda não se sabe que rumo de raciocínio tomar. As vésperas da comemoração do bicentenário de Darwin (12 de fevereiro), ele faz questão de lembrar seu bisavô não apenas pelo conhecimento que deixou construído, mas pelo modo com que o construiu.
Keynes, que também é cientista, já trabalhou no Brasil e tem importantes estudos sobre a fisiologia dos peixes elétricos. Leia abaixo entrevista que o biólogo herdeiro de Darwin concedeu a Folha por telefone, de sua casa em Londres.

 

FOLHA - Hoje a biologia sofre um certo revisionismo por conta da epigenética -estudo de como organismos podem herdar características sem usar o DNA. O sr. acha que isso ainda pode estar alinhado com o que Darwin pensava, já que ele não conhecia mesmo o DNA?
KEYNES -
Bom, é difícil avaliar isso, e o problema é que Darwin nunca conheceu mesmo os mecanismos pelos quais as coisas são herdadas. E nunca avançou muito nisso. Foi só o enorme aumento do volume de pesquisas em todo o mundo sobre os mecanismos de hereditariedade que tornou a determinação da estrutura do DNA possível, também com ajuda das descobertas de [Gregor] Mendel. Mas Darwin nunca soube sobre Mendel. Mendel veio a Inglaterra na época, mas não conversou com Darwin.

FOLHA - Apesar de ‘A Origem das Espécies‘ ter recebido esse nome, alguns biólogos apontam que o livro não chega a explicar a especiacao. Sua grande contribuição teria sido o conceito de seleção natural. O sr. acredita que ha base hoje para explicar o que afinal leva uma espécie a se dividir em duas?
KEYNES -
Bom, Darwin sabia disso, e isso não significa que ele estivesse errado. Neste caso, também, ele apenas não conhecia os mecanismos. Não é só o DNA que ele desconhecia, há muito mais coisas sobre como as coisas acontecem que ele não sabia. Um pesquisador chamado [Peter] Grant, que trabalha há muito tempo nas Galápagos com os tentilhões, estudou o mecanismo de especiação nos pássaros lá durante vinte e poucos anos. Analisou seus bicos, que sabemos que são importantes para o tipo de alimentação deles e sobre a maneira como evoluíram.
Esse processo depende de mudanças nos arredores. Mudanças nas coisas com que eles se alimentavam, além de outras coisas. E isso tudo foi estudado por Darwin apropriadamente, mas só agora foi aprofundado por Grant e sua esposa [Rosemary], professores na Universidade de Princeton.

FOLHA - Alguns biólogos hoje estão questionando a utilidade da cladística tradicional -a subdivisão de grupos de seres que evoluem se ramificando, representada por gráficos em forma de árvore. Dizem que isso não reflete a complexidade que envolve a separação entre duas espécies, porque não é possível determinar um ponto exato de separação. O sr. acha que ainda há espaço para os desenhos de árvores de espécies como Darwin fez?
KEYNES -
Não sei muitos detalhes sobre isso. Acredito que seja verdade, mas as mudanças ocorrem espaços de milhões de anos, e muitos organismos não podem mais ser estudados hoje. Nessa escala de tempo, essa forma de representação [a cladística] faz sentido.

FOLHA - Muitos professores de biologia costumam contar a história sobre como Darwin estava observando os tentilhões em Galápagos e de repente teve seu momento de eureca, concebendo a teoria da evolução. Hoje sabemos que na verdade ele levou muitos anos. É possível reconstruir sua linha de raciocínio?
KEYNES -
É verdade. A coisa não ocorreu daquela forma súbita. Não sei se eu conseguiria dizer algo breve sobre isso que acrescente algo. Eu me lembro de uma pequena anotação que ele deixou sobre um pequeno inseto que ele descobriu no estreito de Magalhães, na costa da Argentina. Ele ficou muito entusiasmado quando descobriu esse animal. Foi a primeira vez que ele viu, nesses animais muito primitivos, como eles se comunicam com seus similares e como conseguem agir de maneira correta. Isso é um passo muito importante para entender especiação e evolução.
Em 1934, ele notou nessa espécie alguns chifres, bonitos, que ela usava para capturar comida. E ele ficou muito entusiasmado quando escreveu sobre o animal e sublinhou tudo. Mas depois ele não discutiu mais isso, e nunca mais fez referências a esse animal específico. Esse espécime existe no Museu de Zoologia em Cambridge. Ele ficou mais entusiasmado com isso do que com qualquer outro animal que ele vira e descrevera em suas notas. E isso foi antes de ele ter a ideia da evolução. É curioso que ele não o tenha mencionado depois, mas na época da descoberta ele realçou quão importante isso era. Isso é absolutamente importante para entender a evolução, e ele pensou nisso antes da evolução.

FOLHA - A coisa mais impressionante sobre Darwin talvez seja ver hoje quão bom observador ele era. Hoje, que os biólogos usam câmeras e ferramentas modernas, o sr. acha que o modo com que ele trabalhava ainda pode ter algo a ensinar?
KEYNES -
Sim, certamente. Eu gastei um longo tempo, há muitos anos, estudando e transcrevendo todas as notas que ele tomou a bordo do Beagle. Publiquei tudo num grande volume. Quem as lê, percebe o modo com que o cérebro dele funcionava. O modo com que sua cabeça pensava sobre como o animal se locomove e coisas assim. Isso é muito importante.
E é importante ver que ele foi uma das primeiras pessoas a estudar comportamento animal de modo apropriado. Ele foi uma das primeiras pessoas a estudar ecologia -a relação dos animais com seu ambiente.
O livro sobre essas notas está publicado. E não é muito caro.

FOLHA - O sr. disse à Folha cinco anos atrás que estava preparando uma nova edição do ‘Origem das Espécies‘. Ela será publicada agora?
KEYNES -
Não exatamente. Escrevi a introdução de uma edição da Folio Society, que não a vende de maneira convencional. Produzimos uma das melhores edições ilustradas que existem, acho. Infelizmente não se pode comprá-la sem ser membro da Folio Society.

FOLHA - A família Darwin está planejando algo especial neste ano, além de integrar as comemorações acadêmicas oficiais? KEYNES - Sim. Há várias coisas acontecendo. Daqui uma semana estou indo para a Down House, em Kent, que é a casa onde Darwin viveu por muitos anos. Está sendo restaurada agora, e estão tentando deixar seu interior da maneira como era quando ele morou lá. Recuperaram vários objetos de Darwin. Há até livros para crianças que eram da filha de Darwin. São exemplares que minha mãe recebeu de uma senhora chamada Henrietta Litchfield, que cuidava dela. E a Down House está sendo reaberta agora. Não é muito longe de Londres, e eles conseguiram reunir mesmo diversas coisas originais de Darwin, como móveis etc.

FOLHA - A tradição científica continua seguindo em sua família? O sr. já havia me falado sobre a possibilidade de um de seus netos seguir carreira em biologia.
KEYNES -
Ainda não tenho nenhum neto que tenha completado o doutorado. Um deles está neste momento visitando Ilha de Páscoa e Galápagos, mas não sei... É possível que ainda haja novos biólogos na família Darwin. Meu avô, que era um dos filhos dele, se tornou matemático. Um de meus primos era fisiologista -eu sou fisiologista também- e temos vários cientistas conhecidos na família. Mas é um pouco difícil você trabalhar com evolução quando se é descendente de alguém como Darwin.

FOLHA - Hoje há um grupo de cientistas religiosos não fundamentalistas que tenta conciliar a crença religiosa com a crença na evolução, mas sem adotar o criacionismo. Isso é o que Darwin tentou fazer?
KEYNES -
Bom, ele não tinha essa crença, essa cristandade. E isso era difícil para ele porque sua esposa certamente tinha essa crença. E essa é uma das razões pelas quais ele talvez tenha demorado tanto a publicar o ‘Origem das Espécies‘. Mas ainda é uma questão: saber por que ele esperou tanto para publicar após ter tido suas ideias. Isso é muito diferente do que ocorre hoje em dia. As pessoas têm publicado suas coisas rápido demais, até mesmo antes de conseguirem alinhar suas ideias. Darwin era o inverso disso. Eu acho que a razão pela qual ele demorou tanto é que ele queria mesmo organizar melhor as informações que ele mesmo havia coletado sobre as vidas dos animais.

FOLHA - Todos conhecem hoje o legado de conhecimento que Darwin produziu. O que ele deixou de mais importante em relação a seu método? Sua técnica de observação ainda é útil para biólogos de hoje?
KEYNES -
Acho que sim. É claro que ele não tinha as ferramentas modernas de hoje, mas se você lê suas notas, pode ver que todo o tempo ele estava trabalhando com o objetivo simples de entender como o animais vivem. Acontece que ele não estava trabalhando no aspecto mendeliano, porque não conhecia isso. Mas uma das coisas mais impressionantes sobre Darwin é ver o quanto ele descobriu de coisas corretas sobre hereditariedade sem conhecer Mendel. Mendel veio até aqui, mas não chegou a conversar com Darwin. E Darwin não poderia tê-lo encontrado depois. Após a viagem do Beagle, Darwin nunca viajou para outros países, só para alguns lugares dentro da Inglaterra.

Hoje nós sabemos sobre os mecanismos de hereditariedade de todas as características dos animais, mas nós não sabemos como se pensava sobre isso no passado, porque para isso seria preciso voltar no tempo, milhões de anos, para descobrir como tudo aconteceu.