domingo, 8 de fevereiro de 2009

Mata que naturalista viu já quase não existe


DO ENVIADO AO INTERIOR DO RIO

A mesma floresta tropical brasileira que provocou "deleite" no naturalista Charles Darwin em 1832 é hoje motivo de preocupação para o seu tataraneto, o lingüista Randal Keynes, 60. As 12 cidades percorridas por Darwin no século 19 no interior do Rio de Janeiro -trajeto refeito por seu Keynes na semana passada- mantêm menos de um quinto de sua vegetação original, de acordo com a ONG SOS Mata Atlântica.
"Deleite, entretanto, é uma palavra fraca para expressar os sentimentos de um naturalista que, pela primeira vez, passeia sozinho numa floresta brasileira. Em meio à profusão de objetos notáveis, a exuberância geral da vegetação ganha longe", escreveu Darwin em seu diário.
Quase dois séculos depois, o município mais devastado da região é Araruama, onde resta 3,23% da mata original. O mais conservado é Casimiro de Abreu (30% remanescentes).
Foi a caminho de Araruama que Darwin descreveu uma floresta onde "as árvores eram muito altas e notáveis pela brancura de seus troncos, comparadas com as da Europa". "Ele provavelmente se referia ao ubatã", diz Cyl Farney, pesquisador do Jardim Botânico. "A planta ainda existe, mas está muito dispersa. Seria mais difícil ele perceber uma aglomeração dessa espécie hoje. O que resiste são fragmentos espaçados do que Darwin viu."
Já vegetação de manguezal, que ainda tem alguns trechos preservados, é ameaçada pela ocupação irregular às margens das lagoas. Para Keynes, a situação merece atenção para não se tornar como outros lugares do mundo onde "a riqueza da vegetação é só história".
"A mata remanescente é suficiente para conservar, restaurar e para as pessoas entenderem o que Darwin viu quando esteve aqui", diz. "Esse ambiente foi o laboratório de Darwin."
Há regiões mais vistosas, como a Serra do Mato Grosso, que o naturalista descreveu em suas anotações. "Temos núcleos de vegetação preservados ao longo do caminho, mas dependem da criação de parques para se manterem", diz Kátia Mansur, geóloga do Departamento de Recursos Minerais.
As margens do rio São João, em Casimiro de Abreu, mantém a vegetação de mangue, embora esteja ocupada em alguns trechos por casas. Ambientalistas locais dizem que o rio recebe esgoto, mas mesmo assim moradores se banham lá.

"Cada hectare cultivado"
O casario antigo também sobrevive com dificuldade. A fazenda Campos Novos, sede da Secretaria de Agricultura de Cabo Frio, sofre com cupins e precisa de restauração.
"A mata atlântica foi importante para a ciência", diz o diretor do Departamento de Popularização da Ciência e Tecnologia do MCT, Ildeu Moreira. "A biodiversidade foi fonte de estudo para Darwin elaborar a principal teoria da história da ciência. É importante preservá-la, pois há muito a ser estudado sobre ela."
Em seu diário, Darwin descreve uma fazenda da região de Macaé como "o trecho mais interior de terreno aberto até as montanhas". "Dá para imaginar em que estado este país ficará quando cada hectare for cultivado." Pesquisadores acreditam que o cientista se referia à expectativa do progresso e da prosperidade. Porém, mais de 80% do que o naturalista viu foi devastado sem que essa perspectiva fosse atendida. (IN)

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